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Lula e o ovo da Jararaca.

  • Alex Antunes
  • 13 de mar. de 2016
  • 5 min de leitura

Um episódio mais ou menos distante na história do PT continua reverberando, como se seus desdobramentos concêntricos acabassem por tomar o Brasil. Trata-se do chamado caso CPEM: quando o economista e dirigente do partido Paulo de Tarso Venceslau fez a denúncia de que o “compadre” de Lula, Roberto Teixeira, estaria montando esquemas corruptos nas primeiras prefeituras petistas, para alimentar um caixa dois.

Só que Lula fez reverter o resultado na Executiva Nacional (que inicialmente havia aceitado a conclusão), e o denunciante foi expulso do partido, em 1998. Teixeira, que desde então acumulou um histórico de negócios obscuros, ainda é advogado de Lula – é o provável representante de Lula na compra do sítio de Atibaia (porque não é advogado dos proprietários nominais, tendo atuado para eles apenas nesse único negócio). Paulo Okamoto, que segundo Venceslau era o operador petista do esquema à época, é hoje o presidente do Instituto Lula.

A expulsão de Venceslau pode ser considerada a “real guinada” do PT, onde se fez a escolha pelo “simbolismo” de lula em detrimento de uma ética mais estrita. Hoje ele diz que “o PT acabou, só restam os religiosos”. Evidentemente há algum ressentimento nessa frase – porque a quantidade de “religiosos” ainda é considerável. Mas Vencelau, que foi fundador do partido, tem um ponto importante: o que ainda conecta os apoiadores fiéis a Lula e ao PT? Não é um programa. Não é um projeto. É uma crença.

Daquela comissão fizeram parte José Eduardo Cardozo, cuja ligação com Dilma (e a inimizade com Lula) jogou um papel importante na configuração da atual conjuntura (eu discuto o assunto neste texto, PT contra PT). Também é a origem da briga de Lula com jurista Hélio Bicudo, que veio a romper ruidosamente com o partido, depois de 25 anos (e acabou sendo autor do pedido acolhido de impeachment da presidente). O terceiro membro da comissão era o economista Paul Singer, também fundador. Como se vê, nomes bem mais consistentes que o do obscuro “compadre”, a quem condenaram (mas que a eles sobreviveu).

Não quero reforçar a ideia de ressentimento – na verdade, acho que o ressentimento existe, mas tem toda a razão de ser. O que a direção do PT foi percebendo – e excluindo quem não concordava com isso – é que o carisma de Lula era o ativo mais importante do partido. E acabou caindo numa armadilha clássica da esquerda do século passado, a do culto à personalidade (Stálin, Mao, Fidel – na foto, um dos itens mais esdrúxulos da “religião” soviética, o Lênin-menino, que só viria a ser superado pela aparição de Chávez no rabo do cachorro). Resolveram varrer os processos de questionamento horizontal para baixo do tapete, e investir um Lula infalível, o proletário sagrado.

Não que Lula fosse, ele, uma personalidade tipicamente stalinista. José Dirceu é que era. Foi uma espécie de simbiose entre Stálin e Macunaíma, o autoritarismo e a malandragem. Cujos meandros nebulosos (que figuras como Venceslau, Bicudo e Cardozo tentaram frear lá atrás) vieram desembocar nos casos de favorecimento agora investigados.

O que se viu anteontem, na reação de Lula à sua condução coercitiva para depor nas investigações da operação Operação Lava Jato, foi um discurso despolitizado (no sentido institucional do termo) e fortemente emocional. Eu diria breguinha, na verdade. Frases como “não tem razão pra ir atrás dos meus filhos, a não ser serem meus filhos”; “Dona Marisa merece respeito”, “eu gosto de Curitiba, eu podia ter ido lá em Curitiba”, “quero pedir desculpa à Clara Ant e ao Okamoto porque ser amigo do Lula hoje parece ter virado uma coisa perigosa”, e a incrível “eu provei que o povo humilde deste país pode andar de cabeça erguida e comer amendoim”, além de conterem alguma mentira e/ou imprecisão, são texto ruim, muito ruim.

Mas Lula veste o ressentimento dos desfavorecidos como se fosse um parangolé, com gosto performático. Faz muito tempo que Lula não é pessoalmente oprimido. Nem Dona Marisa, a dos rodapés de porcelana. Pelo contrário, o que as investigações apontam é que ele, até outro dia, era ridiculamente paparicado pelas empreiteiras, e por outros “poderosos”. (Eu trato da relação de Lula com a elite econômica – e a tentativa de criar sua própria elite econômica, além de absorver todo o lixo fisiológico em sua própria base –, no texto Lula e a política do tiozão de churrasco.

Na verdade, faz tempo – oficialmente inclusive – que Lula tem recursos para comprar o sítio de Atibaia ou o tríplex do Guarujá. Mas esse ter não tendo parece satisfazer mais a sua percepção de líder mágico tribal. Eu não acharia de todo incompreensível (e seus apoiadores certamente parecem não achar), se no mundo capitalista em que vivemos isso não se confundisse com a duvidosa ética gersista-oportunista do “levar vantagem em tudo”. Correndo o risco de passar a linha da corrupção e da ilegalidade.

Na sua fantasia, Lula parece receber esses favores “em nome” do povo, representando-o, e não ao seu próprio bem-estar. Por isso quando fala passa ao largo de qualquer resposta às acusações, como se elas não significassem nada. A não ser uma ofensa e uma perseguição não a ele, mas ao povo, em nome de quem, no lugar de quem ele recebe. É curioso que para uma classe C impulsionada pelos governos do próprio PT, e que tem elaborado suas próprias fantasias de consumo, essa transferência que Lula propõe não parece mais fazer muito sentido.

Faz mais para uma certa classe média branca bem-intencionada e culpada, cristã-comunista, que ocupou as redes sociais para bater no peito e enfrentar a ameaça das velhas elites. A ditadura militar (e os turbulentos governos posteriores) tinham deixado a carência de um “pai positivo”, uma autoridade suave que, em sua transição de ativista aguerrido a bonachão, Lula ocupou com habilidade. Decretou o “Lulinha paz e amor”, na verdade um personagem popular correspondente à fala mais séria da Carta aos Brasileiros de 2002, que poderia ter se chamado Carta aos Brasileiros Ricos.

Essa gente carente (os carentes emocionais, não econômicos; é uma“metafísica da pobreza, como disse Paulo Ghiraldelli) que se recusa a abandonar o cadáver político insepulto de Lula expressa o medo de que seu fim signifique a volta de maus tempos míticos. E por isso se insiste em comparações com 1964, mesmo que estejamos vindo de nada menos que 13 anos de governos petistas. Mas Lula é um “pai político” do século passado; arrasta onze containers de simbolismo anacrônico. Como diz outro petista histórico (e mais lúcido), Olívio Dutra, “que o PT saia da inhaca em que se meteu”. O Brasil é um lugar interessante (e macumbeiro) demais para que “esquerda” seja sinônimo de tosqueira.

O século 21 – que possivelmente começou com a dessacralização simbólica de Lula – trata da busca de horizontalidades, de processos transparentes e críticas francas. Aquelas que Venceslau e Bicudo e vários outros buscaram nos inícios do PT, até com teimosia, antes de serem internamente derrotados. Agora não só não precisamos mais de um “pai politico”, como “pai político” algum dará conta das novas necessidades políticas da sociedade. Só os processos coletivos. É um deicídio necessário. O esgotamento de Lula era inevitável; ele só juntou a inevitabilidade à desonra, essa desnecessária (“Lula deu motivos”, como diz Marcelo Rubens Paiva).

Ao invés de teimar que “curou” e que vai continuar a “curar” o país, é essa esquerda governista que precisa ser curada. Ainda que tenha tido alguns sucessos, seu ciclo claramente acabou. As elites estão onde sempre estiveram. E eu nem creio que as direitas “tenham cura”. Continuar a usá-las (e a seu ódio de classe) como desculpa para se aferrar obsessivamente ao poder é que é o golpe. E o Lula de verdade é o que aparece falando com a presidente da república (!), no vídeo inadvertidamente compartilhado pela aliada Jandira Feghali.

A bravata final de Lula no discurso após o depoimento: “se quiseram matar a jararaca, não bateram na cabeça, bateram no rabo". O ovo da Jararaca foi o abafamento dos primeiros sinais da corrupção petista, e o silenciamento (incluindo dois possíveis assassinatos) de quem ameaçava expô-los. Mas a jararaca afinal é um ratinho, acuado (pelas denúncias do marqueteiro, do ex-líder Delcídio, dos empreiteiros untuosos), e que resume sua filosofia com uma grosseria: “eles que enfiem no c* todos os processos”. Pois veremos.

 
 
 

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